Não há como viver neste mundo sem sentir incômodo diante de provocações que enunciam a presença proliferante da violência contra a mulher. A insistência das forças escorregadias fluindo entre os rasgos e pontos cegos das relações interpessoais, impondo-se como aniquilação psíquica e/ou corpórea do outro, são tão, senão mais perversas que a bordoada no rosto.
A negação discursiva da impregnação do sexismo acomodado, naturalizado para a manutenção de certos confortos construídos como exclusividade de determinado status social, persiste e insiste. A aniquilação psíquica e/ou corpórea pode (m) aparecer com vestes casuais ou de gala, desde o mais velado e insidioso assédio moral até o mais explícito espancamento.
A par disso, mulheres que lutam.
Na literatura conheci uma dessas mulheres: Flora Tristan
("O Paraíso na Outra Esquina - ver crítica: https://maldemontano.wordpress.com/2007/03/05/resenha-o-paraiso-na-outra-esquina-llosa/).
Flora viveu na França pós-revolucionária da primeira metade do século 19. Nasceu em 7 de abril de 1803 em Paris, pouco antes da coroação de Napoleão I (1804). Viveu sob o jugo do Código Napoleônico que atribuía, ao homem, autoridade máxima sobre suas famílias, e privava as mulheres dos direitos individuais, definindo-as como "civilmente incapazes". Precursora feminista, socialista, jornalista, ativista por conquistas de direitos sociais, morreu em 14 de novembro de 1844, em Bordeaux, poucos anos antes da publicação de “O Manifesto Comunista” escrito pelos teóricos fundadores do socialismo científico Karl Marx e Friedrich Engels (1848). Nada obstante ter sofrido todas as adversidades possíveis de seu tempo, deixou legado inestimável para as mulheres, em seus apenas 41 anos de vida.
A reflexão sobre a violência doméstica hoje, quando já se encontram sedimentadas tantas conquistas das mulheres no campo do direito, por conta de lutas como as travadas por Flora, traz à tona uma perplexidade incômoda de que ainda vivemos diante de desigualdades sociais profundamente enraizadas no modelo patriarcal, e suportamos seus subprodutos de opressão.
No campo da fotografia, o engajamento político cidadão pode ser, portanto, atual, necessário e vibrante, sem ser, necessariamente, clichê.
No projeto Espelho Espelho Meu, trato do atravessamento da imagem fotográfica pelas fissuras provocadas pelas práticas de resistência e articulações próprias da luta pela liberdade no campo do feminismo.
O tema das identidades persistem, como em outros que me dedico, tal como o uso da fotografia e do texto para tratar diretamente da questão da violência contra a(s) mulher(es).
Os primeiros experimentos no estúdio do Vila Flores contam com a participação da modelo Mariana Villa Real e do maquiador Johnny Left.
Uma das imagens experimentadas no primeiro ensaio e que integra o projeto como um todo foi selecionada para fazer parte da exposição “O Feminismo é para Todas as Pessoas” pelo NIEM - Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Gênero) - UFRGS no Acervo Independente - Rua General Auto, 219, Centro, Porto Alegre, RS, Brasil. Abertura: dia 18/03/2015 (quarta-feira), a partir das 18:30h. Visitação: de 19/03/2015 a 24/03/2015. Segunda à Sexta: 14h às 19h. Sábados: 14h à 18h.
E o espelho?
Sobre o espelho, me fascina a ambivalência de suas metáforas, dos mitos que atravessam esse lugar de reflexão. A propósito, o texto de Juan Fontcuberta, como sempre, é inspirador. Nele, a câmera fotográfica funciona como o espelho, regida pela intenção de quem a usa, criando um repertório de experiência desde a "constatação científica até a fabulação poética". Os mitos de Narciso e do Vampiro são explorados pelo autor quando fala sobre as intersecções do espelho no fazer fotográfico.
Outras referências ...
Lucy Lipard falando de Ana Mendieta
“no momento em que as mulheres usam o seu pró-
prio corpo na arte, estão usando na verdade o seu
próprio ser, fator psicológico da maior relevância,
pois assim convertem o seu rosto e o seu corpo de
objeto a sujeito”.
Lippard, Lucy. Ana Mendieta 1948-1985
(obituary). Art in America. November 1985,
p.190.
Hilda Hilst
"Deus é mulher?"
"Até onde se pode realmente ser livre"
"Quem é que você conhece qu eé civilizado?"
(perguntas de personagens de HH - integram instalação da exposição "Ocupação HH" Itaú Cultural São Paulo )
Martha Rosler
"Semiotics of the Kitchen"
Beth Moyses
Márcia X